RM, J-Hope e Suga durante apresentação ao vivo de "UGH!", no show Yet to Come, em Busan. Foto: Divulgação/BigHit Music
“UGH!”, uma das faixas mais potentes do álbum Map of the Soul: 7 (2020), destaca a rapline do BTS — RM, Suga e J-Hope — em sua forma mais agressiva, incisiva e inovadora. Reconhecidos como referência dentro e fora do cenário do K-Pop, os três acumulam uma trajetória marcada por faixas icônicas como “Cypher 1, 2, 3 e 4”, “Ddaeng”, “Intro: Never Mind”, “Outro: Her e Tear”. Em “UGH!”, o trio transforma o rap em um grito de fúria contra o ódio gratuito, a distorção moral nas redes e a cultura do cancelamento.
A palavra “욱” (ugh) é uma gíria coreana usada para expressar uma explosão súbita de raiva — aquele momento em que alguém “perde a paciência” de forma inesperada, seja com razão ou não. Na música, RM, Suga e J-Hope transformam esse impulso em reflexão: sentir raiva é humano, mas é fundamental distinguir entre a raiva justa, dirigida a injustiças, corrupção e hipocrisia, e a raiva cega, motivada pelo ódio sem propósito e pelo desejo de atacar.
Produzida por Suga e EL CAPITXN, “UGH!” apresenta uma batida intensa marcada por 808s poderosos, trap beat e brass — aqueles trompetes graves que criam uma atmosfera de confronto, quase como um campo de batalha. Dentro desse cenário sonoro agressivo, cada verso funciona como uma batalha lírica, onde Suga, RM e J-Hope expõem, a partir de perspectivas próprias, suas críticas ao tema central da música: a distorção da raiva na sociedade contemporânea.
“Aqui vem o jogador de hoje, cheio de ofensas, sim
Quando encontra sua presa, ela se torna seu saco de pancadas
Cutucando, cutuca sem parar, sim
Quando não tem reação, ele apenas mata.”
O jogador mencionado na estrofe é o “hater do dia”, o justiceiro seletivo que acorda disposto a destruir sua próxima vítima. A crítica de Suga é direta ao expor como a internet transforma pessoas, tanto anônimos quanto famosos, em alvos fáceis. Quando alguém erra, o público “bate” não pela intenção de corrigir, mas pelo prazer na violência moral e pelo sentimento de superioridade que esse ataque proporciona. Todos os dias alguém se torna o saco de pancadas do público, sendo atacado por diversão, muitas vezes sem contexto ou empatia.
A linha “Cutucando, cutuca sem parar” destaca aqueles que provocam por puro entretenimento — a provocação gratuita, no estilo “faço porque posso”. É o caos incentivado apenas para ver o conflito crescer, algo comum, por exemplo, entre fandons, quando comparações e rivalidades entre grupos se intensificam sem nenhum motivo real. Outro ponto-chave que Suga evidencia é a natureza paradoxal desses haters: se a pessoa reage, eles aumentam os ataques; se não reage, criticam da mesma forma.
“Raiva? Claro que você precisa dela
Quando ela arde, tem que ter um propósito […]
O que é raiva de verdade, você sabe?
Você mata fingindo que é raiva, me deixando realmente bravo.”
RM aprofunda a discussão diferenciando a raiva justa da raiva vazia. Ele lembra que a raiva é parte essencial da condição humana e da própria história do mundo, sem ela, muitas mudanças sociais e revoluções jamais teriam acontecido. Por isso, enfatiza que a raiva precisa ter propósito, direção e consciência, já a raiva vazia é o oposto: nasce do ódio gratuito e do impulso de cancelar, servindo apenas para destruir reputações sem reflexão alguma.
RM então lança a questão central da música, quase como um espelho para os canceladores: o que a sua raiva realmente significa? Ele provoca o ouvinte a refletir sobre como a raiva deve ser usada com sabedoria, e não como arma descontrolada. Finaliza sua crítica expondo aqueles que fingem lutar por “justiça”, mas que, na prática, ferem inocentes, distorcem fatos e instrumentalizam a raiva legítima como desculpa para atacar.
“Eu fico UGH! UGH!
Estou furioso com essa raiva cheia de malícia
Estou furioso com aquela raiva que teve que se apagar.”
O refrão funciona como a catarse da canção, um grito coletivo, um desabafo emocional contra toda a raiva mal-intencionada que circula na sociedade. Na última estrofe, o grupo expõe um ponto doloroso: pessoas que antes expressavam raiva justa, que levantavam suas vozes e bandeiras por causas importantes, acabam sendo silenciadas. Seus ideais são deturpados, misturados ao barulho do ódio vazio, até que a indignação legítima perde espaço para o hate. Assim, quem lutava por algo real se vê obrigado a calar, enquanto o discurso tóxico toma o lugar do discurso necessário.
“Este mundo é dominado pela raiva
Parece que ninguém consegue viver sem ela […]
Seja com boa intenção ou má intenção, tudo a mesma coisa
Eu posso me enfurecer, claro, mas se houver algum dano
Causado à vida de alguém, eu não gosto
Então eu paro, sim.”
J-Hope entra na música deixando explícita como a sociedade normalizou a raiva, transformando-a em combustível diário. Esse comportamento é perceptível na impaciência crescente das pessoas, que agem pela impulsividade, pela irritação constante e pelo julgamento precipitado. A fronteira entre a “raiva boa” e a “raiva má” se torna turva, e muitos passam a justificar seus ataques como se fossem “correção de erros”, quando, na verdade, estão apenas reproduzindo violência.
Hope traz um ponto de consciência essencial: todos sentem raiva, mas existe uma ética mínima — se a sua raiva machuca um inocente, é hora de parar. Um ataque impensado, frequentemente alimentado pela cultura do cancelamento, pode gerar consequências devastadoras: suicídio, destruição de reputações, traumas permanentes.
“Ah, o que é que tem você ser um pouco criticado?
Você ganha muito, por que está choramingando de novo?
Você tem que aguentar pelo menos isso, aham
Se fosse eu, eu aguentaria tudo.”
Esse é um dos trechos mais marcantes de “UGH!”, onde o trio usa o sarcasmo para reproduzir o discurso hipócrita de quem determina o que é “sofrimento legítimo”, especialmente no universo das celebridades. J-Hope, RM e Suga imitam a voz retórica do hater que minimiza o impacto da violência verbal, como se comentários cruéis fossem normais — e as celebridades, por serem famosas, tivessem a obrigação de suportar tudo.
A sociedade costuma associar sucesso e dinheiro a uma suposta imunidade emocional, reforçando frases como: “com o dinheiro que fulano tem, eu nem ficaria triste”. A repetição de “aham” — usada mais de dezessete vezes — escancara esse tom esnobe e debochado, característico do público que acredita ter autoridade para definir o limite do sofrimento alheio.
O auge da crítica está em “se fosse eu, eu aguentaria tudo”, uma frase típica de quem nunca viveu a realidade da pessoa que critica. É um retrato da arrogância e da completa falta de empatia: julgamentos feitos de longe, sem conhecer a história, o cansaço, o desgaste mental e o peso que a exposição pública traz.
“UGH!” consolida-se como uma das faixas mais emblemáticas da rapline do BTS, combinando crítica social contundente, metáforas afiadas e versos que expressam a indignação diante das injustiças praticadas pelos canceladores e da empatia seletiva que se naturalizou na sociedade. A música funciona como um espelho desconfortável, expondo o comportamento coletivo e a banalização da raiva — um alerta necessário em tempos de julgamentos impulsivos e ódio travestido de justiça.
Com o retorno oficial do BTS previsto para 2026, a expectativa é que RM, Suga e J-Hope apresentem novas líricas ainda mais maduras, moldadas pelas experiências vividas tanto em grupo quanto individualmente durante o hiatus e o serviço militar. A rapline deve voltar ao cenário musical com a força característica de seu trio: técnica impecável, consciência social e a união explosiva que só eles conseguem entregar.
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